CLIQUE E ACESSE A NOSSA
AGENDA CULTURAL
Por Francine Micheli
O começo do século XX foi marcado pela adaptação social a novos tempos. Enquanto o recém-derrubado império brasileiro ainda deixava seu cheiro escravocrata nas ruas de Ribeirão Preto, a sociedade mergulhava em uma nova realidade econômica e cultural. Os endinheirados precisavam se diferenciar do resto da população economicamente submissa através de seus interesses particulares. Foi nesse momento que começaram a surgir importantes grupos de música, teatro, artes e também grandes festas para quem podia pagar.
A riqueza dos coronéis do café patrocinou uma explosão cultural na cidade, inspirada pela chegada de muitos franceses. Em Ribeirão, imitava-se tudo em Paris: a arquitetura, os hábitos sociais, a moda e a diversão. Um desses franceses, François Cassoulet, chegou a Ribeirão por volta dos 30 anos e aqui viveu entre 1894 e 1917.
O rei da balada
Começaram a pipocar clubes e teatros como o Cassino Antarctica, o Teatro Carlos Gomes e o Teatro Eldorado, primeiro café cantante do Brasil, inaugurado por Cassoulet. Dessa época, ainda temos a Sociedade Recreativa de Esportes, a Sociedade Dante Alighieri e a União Geral dos Trabalhadores (UGT).
Em 1954, a Cantina 605 passou a ocupar o antigo prédio do Cassino Antarctica, que sediou grandes espetáculos
sob administração de François Cassoulet entre 1914 e 1919 (Foto: Tony Miyasaka, 1960)
Cassoulet trazia a Ribeirão artistas de renome e prostitutas francesas. Uma carta de Monteiro Lobato relata que, em 1907, diziam haver cerca de 800 "mulheres da vida" aqui, todas vindas da França. O promotor de eventos oferecia também mesas de jogos e organizava os carnavais nas ruas e nos clubes de Ribeirão.
Sua popularidade era tanta que quase o Theatro Pedro II foi batizado com o nome de François Cassoulet. É que quando o teatro foi construído em 1930, o Jornal A Cidade fez um concurso de votos para que os leitores escolhessem como ele deveria se chamar. Nos primeiros lugares do ranking, estavam os nomes dos últimos imperadores e o de Cassoulet.
Na literatura sobre a história do entretenimento local, escritores dividem opiniões sobre o rei do camarote da época. Enquanto Rubem Cione o coloca como grande e glamouroso empreendedor, Júlio Chiavenato o pinta como “gigolô, cafetão, fornecedor de carne para o tosco paladar sexual dos latifundiários do café”. De qualquer maneira, a história de Cassoulet se confunde intimamente com o passado da cidade.
Teatro Carlos Gomes, que funcionou entre 1897 e 1944 e foi construído com o patrocínio dos Barões do Café. Sua demolição até hoje não foi esclarecida. Ele ficava onde hoje é a praça Carlos Gomes, no Centro da cidade. (Foto: Arquivo Público Histórico de Ribeirão Preto)
Decadence avec Elegance
Com a Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, as exportações de café foram quase anuladas, empobrecendo os barões da cidade, que pararam de financiar a vida noturna da época. Francisco (como ficou conhecido) Cassoulet assistiu de camarote a falência de cada um dos teatros, clubes, associações e espetáculos a que tanto se dedicou. Ficou doente e passou a ser visto vagando pela cidade, descabelado, sujo e aparentemente desequilibrado psicologicamente.
Internado na Beneficência Portuguesa com a conta paga pelos poucos amigos que restavam, Francisco Cassoulet morreu em 1919, pobre, abandonado e muito longe do glamour em que viveu por 30 anos em Ribeirão Preto.
Bibliografia
- PRATES, Prisco da Cruz. Ribeirão Preto de Outrora, 1971.
- CIONE, Rubem. História de Ribeirão Preto, 1989.
- MELLO, Rafael Cardoso de. As flores do Café: por uma história das mulheres de Ribeirão Preto, 2011.