Abaixo a ditadura da alface!

Por Gabriel Castaldini, do Pancada Na Cozinha
Tempo de leitura:7 minutos

Por Gabriel Castaldini
Texto e fotos

Tá ligado naqueles matos que nascem em qualquer vaso da sua casa, aqueles que de tão indesejados são chamados de ervas daninhas e que tiram você do sério? Pois é, fique sabendo que estes intrusos podem ser as estrelas de um prato excepcional para chef nenhum botar defeito.

Beldroega, serralha, lírio-do-brejo, picão, maria-sem-vergonha, peixinho da horta… Estes nomes soam familiares para você? Consideradas pragas em muitos lugares deste enorme Brasil, estas plantas integram um grupo maravilhoso chamado PANC: Plantas Alimentícias Não Convencionais.

Pizza Maria Flor, uma das receitas mais comentadas do canal Pancada Na Cozinha

O acrônimo, de autoria do biólogo e professor Valdely Kinupp, criado em 2008 durante uma conversa informal dele com a nutricionista Irany Arteche, contempla todas as plantas alimentícias — ou matos comestíveis, se preferir — que nascem de forma espontânea ou subespontânea seja em sarjetas, vasos, canteiros ou até em telhados de casas e prédios, e que, graças à nossa ignorância e alimentação monótona, são arrancadas e jogadas no lixo, junto com todo seu valor nutritivo. Eis o porquê de “Não Convencionais”.

Só para você ter noção do prejuízo ocasionado pela nossa falta de conhecimento, segundo Valdely, em média, em cada hectare de área agricultável pode haver de 4 a 5 toneladas de PANC. E tudo isso é jogado fora. TU-DO! “Se ao menos fossem utilizadas na alimentação de animais de criação, mas nem isso. Alimentar-se com PANC gera saciedade. Por ser alimento de verdade, comida que não foi ultraprocessada, a gente tem mais energia. Essas plantas são fantásticas para resolver os problemas de carência nutricional”, observa o biólogo, que estima existir cerca de 10 mil espécies com potencial alimentício apenas em território brasileiro.

Para facilitar a vida dos analfabetos botânicos como eu e (provavelmente) você, Kinupp montou o primeiro guia de identificação PANC, intitulado Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil, da editora Plantarum. Fartamente ilustrado, o trabalho apresenta nada mais que 351 Plantas Alimentícias Não Convencionais, além de receitas passo a passo e seus aspectos nutricionais.

Hambúguer LaFleur leva flores e folhas conhecidas convencionais no paisagismo e nas hortas mas incomum ao paladar

Com uma biodiversidade tão rica e diversa como a nossa, Valdely foi direto e taxativo quando perguntei  a ele por que então a nossa alimentação é tão pobre: “Porque adoramos a nossa xenofilia”. Oi?! Como assim?! Calma… Não precisa abrir outra janela para acessar o Google. Eu já fiz isso para você. De acordo com o amigo de sempre Michaelis, xenofilia quer dizer: “apreço e valorização acentuados por pessoas e coisas estrangeiras”. Sabendo disso, fica fácil entender por que Valdely deu essa resposta. Dúvida?

Alface, repolho, couve… Essas você conhece, certo? E acredita se eu disser que nem mesmo uma dessas é nativa do Brasil? Por isso o Valdely fala de nossa xenofilia. A gente supervaloriza produtos importados quando sequer conhecemos o que brota em nosso quintal. “Somos destaques na produção de cana, café, soja e laranja… todas exóticas. Alguém já leu ou ouviu falar que o Brasil é o maior produtor ou exportador de algum alimento vegetal nativo, brasileiro?”, questiona Kinupp.

Enquanto conversávamos, o biólogo e autor me propôs um desafio — que agora lanço a vocês: elencar cinco geleias de frutas genuínas do Brasil. E aí? Só consegue pensar em morango, uva, damasco e framboesa? Viu só como curtimos mesmo uma xenofilia? “Mais de 500 anos e não temos geleias de cambuci, de guanandi, de pitomba, de buxixu ou mapati”, ressalta Kinupp.

Da mesa família do gengibre, o lírio-do-brejo conta flores e raízes incrivelmente saborosas

Contudo, na contramão da galera que não entende bulhufas de hortifruti, botânica e biomas, chefs de renome como Ivan Ralston, Helena Rizzo e Felipe Schaedler utilizam diversas PANC em seus restaurantes, fazendo delas o chamariz de receitas inusitadas e exclusivas, vide o sorbet de lírio-do-brejo do Maní (restaurante da Helena Rizzo, eleita a melhor chef do mundo em 2014) — que é de comer de joelhos, só para constar —, e a horta do estrelado restaurante TUJU (Ivan Ralston), que conta com mais de 350 espécies comestíveis, entre tradicionais e não convencionais. Quanto ao Schaedler, eu bati um papo com ele e fiquei sabendo que foi o próprio Valdely que o apresentou ao fantástico mundo das PANC. Os dois vivem em Manaus, e a convite de Kinupp, eles se embrenharam em um passeio pela floresta amazônica, quando o biólogo apresentou inúmeras plantas ao chef. O cara curtiu tanto que fez igual ao Ralston, tratou lodo de montar uma horta em seu restaurante, o Banzeiro. “As pessoas têm preconceito do Novo, por isso elas têm medo de provar algo diferente daquilo que elas estão tão acostumadas a comer. Mas aos poucos isso vai mudando”, comenta Schaedler, que — pasmem! — já elaborou pratos até com vitória-régia.

“Muito do que é tido hoje como não convencional já foi consumido no passado e, por algum motivo, o hábito se perdeu. O lance é resgatar esses sabores e driblar o marasmo à mesa”, aponta Kinupp.

Como saber de um mato é PANC? Bem, de acordo com o Valdely, “quando se demanda grandes explicações do que é, seus nomes, formas de consumo e preparo, e ainda ter de mostrar imagens para que as pessoas possam ter alguma ideia do que seja, isso é, com certeza, uma PANC, porque não faz parte do uso corrente”.

Massa fresca feita com suco de taioba

Mas calma lá… Isso não quer dizer que você pode sair comendo todos os matos que você encontrar pela frente cujo nome e utilização você desconhece. Pelo contrário, meu caro. É preciso MUITO CUIDADO nessa hora. Por isso é fundamental ter conhecimento sobre o assunto, pesquisando a respeito ou sanando as possíveis dúvidas com quem já tem certa familiaridade com as PANC. Mas se você já manja um pouco sobre o tema e fica P da vida por não encontrar sua PANC favorita nas feiras e mercados, Valdely tem uma dica: “Encomende. Seja insistente, pois demandas tendem a gerar ofertas”.

Curioso para conhecer um pouco mais sobre as Plantas Alimentícias Não Convencionais? Então fique ligado no Varal Diverso, nas receitas do Pancada Na Cozinha, para aprender com se faz pratos nada comuns, de visual e sabores incríveis.

Formado em Comunicação Social com ênfase em jornalismo e apaixonado por culinária, Gabriel Castaldini apresenta receitas inusitadas com PANC (Plantas Alimentícias Não Convencionais). Escreve para o Varal Diverso desde 2014.

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