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Por Francine Micheli
Foto: Arquivo Pessoal/André Barreto
O causo é pouco conhecido, mas o mestre da literatura infantil brasileira, que nasceu em Taubaté em 1882, já quis morar em Ribeirão Preto e andou falando abertamente sobre esse desejo no início do século passado.
Aos 25 anos, o jovem José Bento Renato Monteiro Lobato ainda não tinha escrito nenhuma obra que haveria de consagrar sua carreira. Em 1907, ele era ainda um caricaturista recém-formado em direito. Neste ano, ele foi nomeado promotor público da cidade de Areias e foi pelo trabalho que precisou viajar pelas cidadezinhas do interior de São Paulo.
Monteiro Lobato se correspondeu por cartas durante 40 anos com o amigo e também escritor Godofredo Rangel. Algumas dessas correspondências já foram publicadas em livros e jornais, porém, a maior parte delas ainda é inédita e deve ser publicada em breve. Quando voltou de sua viagem a Ribeirão Preto, enviou uma carta ao amigo e nela descreve o que exatamente lhe encantou na cidade. Entre as boas surpresas, estavam o desenvolvimento por conta dos milhões de pés de café e as encantadoras prostitutas francesas.
Leia na íntegra.
Rangel:
Estou seriamente endividado para contigo, em cartas, livros, cumprimento de promessas, pedaços do Queijo… Mas explica-se a má finança. O mês de dezembro passei-o todo fora daqui, em São Paulo e no Oeste. Corri as linhas da Paulista, Mogiana e Sorocabana, com paradas nas inconcebíveis cidades que da noite para o dia o Café criou — São Carlos, um lugarejo de ontem, hoje com 40 mil almas; Ribeirão Preto, com 60 mil, Araraquara, Piracicaba a formosa e outras. Vim de lá maravilhado e semeado de coragens novas, pois em toda a região de Terra Roxa — um puro óxido de ferro — recebi nas ventas um bafo de seiva, com pronunciado sabor de riqueza latente.
Em Ribeirão Preto, a colheita do município foi o ano passado de 4 e meio milhões de arrobas — coisa fabulosa e nunca vista. Um fazendeiro, o Schmidt, colheu, só ele, 900.000 arrobas. Costumes, hábitos, ideias, tudo lá é diferente destas nossas cidades do velho S. Paulo e da tua Minas. Em Ribeirão Preto dizem que há 800 ‘mulheres da vida’, todas estrangeiras e caras. Ninguém ama ali a nacional. O Moulin Rouge funciona há 12 anos e importa champanha e francesas diretamente.
… tenho que estacionar lá também, Rangel. Estou apertando minhas cunhas para ser nomeado para Ribeirão ou coisa equivalente.
Taubaté, 18.01.1907
Fonte: MELLO, Rafael Cardoso de. As flores do Café: por uma história das mulheres de Ribeirão Preto.
A Belle Èpoque ribeirão-pretana, assim como Monteiro Lobato, seduziu milhares de outros figurões e as noitadas da cidade eram cada vez mais conhecidas pelo requinte e animação. Foi nessa época que Ribeirão ficou conhecida como "petit Paris", não só pela arquitetura e pela grande quantidade de franceses que viviam aqui, mas pela noite semelhante à da Cidade Luz.
Cabarés, shows sofisticados, festas da alta sociedade e prostitutas de luxo faziam a alegria dos ricaços do interior. E um dos responsáveis pela vida baladeira por aqui no início do século XX, foi um francês chamado Françoise Cassoulet, espécie de primeiro promoter da cidade, cuja curiosa história o Varal Diverso conta aqui.